O homem é insuficiente!*
Nas
duas últimas edições de O Nosso Tempo
trabalhamos o pensamento filosófico de Blaise Pascal no que tange à relação do
homem com Deus.
Continuemos...
A
insuficiência humana constitui a base do pensamento pascaliano. O homem deve ir
em busca de Deus justamente em razão do fato de não ser um ente suficiente.
Suficiência, segundo pascal, que deve ser entendida como a possibilidade humana
de compreensão do cosmos e de si mesmo e de não necessitar buscar qualquer
outra coisa além da sua condição fenomenológica. Assim define o professor
Pondé, ao introduzir uma de suas obras sobre Pascal:
Dúvida, corrupção,
inconstância, contingência. Todas figuras de uma realidade única, a condição
insuficiente, vivida como exílio do Sobrenatural, como disjunção das três
ordens. Tentaremos, se não iluminá-la em sua totalidade na sequência deste
trabalho, pelo menos lançar as bases para uma melhor compreensão da
antropologia pascaliana. (PONDÉ, 2001, p. 43).
O
homem é um ser insuficiente por conceito. Há um drama humano ontológico, pois o
fenômeno racional que, em princípio, deveria fornecer todo o arcabouço
material, psíquico e lógico a fim de que o ser humano fosse totalmente imune a
crises morais, dores, dúvidas existenciais, dentre outros, pelo contrário,
insere o homem em um mundo de dúvidas desesperadoras diretamente relacionadas
como a sua condição ontológica.
Uma
das manifestações claras da insuficiência humana é a possibilidade de o homem
agir corretamente por si só, ou seja, sem qualquer consideração de aspectos de
transcendência. Em outras palavras, a questão é de saber se homem age dentro de
padrões corretos ainda que esteja desligado de Deus, da graça. Para responder
essa questão, Blaise Pascal aduz que não há alternativa correta para o homem
sem a busca de Deus, sem graça; o homem sem essa busca só pode agir, por
conseguinte, em desgraça. Escreve Pondé:
A resposta de Pascal à questão
sobre a possibilidade humana de agir corretamente é sempre a mesma: se o homem
depende de si mesmo, ele falhará sempre. No plano teológico, a afirmação
pelagiana de que a natureza humana se basta na busca do bem ou a semipelagiana
de que uma graça suficiente deixa ao livre-arbítrio a decisão final sobre a
ação significam, nos limites de nossa hipótese central, a possibilidade alguma
suficiência no homem. Pascal nega qualquer espaço para uma organicidade
operacional do livre arbítrio, o que implica, na realidade, uma das indicações
parciais de que o que inexiste, no limite da antropologia pascaliana, é a
própria ideia de natureza humana como uma entidade funcional plena. (PONDÉ,
2001, p. 53).
Dessa
forma, com o projeto de desconstruir as concepções de homem como ser perfeito
em termos ontológicos elaboradas pelo pensamento renascentista, Pascal
estabelece que não há possibilidade estrutural de o ser humano cultuar um apego
exacerbado e narcísico a si próprio, pois comprometerá a forma com a qual o
ente humano encarará a realidade em si, perfazendo indivíduos em absoluta
alienação no que concerne a sua natureza.
E, apesar
de tudo isso, tem gente que se considera acima do bem e do mal... Vai
entender...
*TEXTO PUBLICADO EM NOSSA COLUNA NO JORNAL NOSSO TEMPO - EDIÇÃO IMPRESSA.