quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

O homem é insuficiente!*

Nas duas últimas edições de O Nosso Tempo trabalhamos o pensamento filosófico de Blaise Pascal no que tange à relação do homem com Deus.
Continuemos...
A insuficiência humana constitui a base do pensamento pascaliano. O homem deve ir em busca de Deus justamente em razão do fato de não ser um ente suficiente. Suficiência, segundo pascal, que deve ser entendida como a possibilidade humana de compreensão do cosmos e de si mesmo e de não necessitar buscar qualquer outra coisa além da sua condição fenomenológica. Assim define o professor Pondé, ao introduzir uma de suas obras sobre Pascal:
Dúvida, corrupção, inconstância, contingência. Todas figuras de uma realidade única, a condição insuficiente, vivida como exílio do Sobrenatural, como disjunção das três ordens. Tentaremos, se não iluminá-la em sua totalidade na sequência deste trabalho, pelo menos lançar as bases para uma melhor compreensão da antropologia pascaliana. (PONDÉ, 2001, p. 43).

O homem é um ser insuficiente por conceito. Há um drama humano ontológico, pois o fenômeno racional que, em princípio, deveria fornecer todo o arcabouço material, psíquico e lógico a fim de que o ser humano fosse totalmente imune a crises morais, dores, dúvidas existenciais, dentre outros, pelo contrário, insere o homem em um mundo de dúvidas desesperadoras diretamente relacionadas como a sua condição ontológica.
Uma das manifestações claras da insuficiência humana é a possibilidade de o homem agir corretamente por si só, ou seja, sem qualquer consideração de aspectos de transcendência. Em outras palavras, a questão é de saber se homem age dentro de padrões corretos ainda que esteja desligado de Deus, da graça. Para responder essa questão, Blaise Pascal aduz que não há alternativa correta para o homem sem a busca de Deus, sem graça; o homem sem essa busca só pode agir, por conseguinte, em desgraça. Escreve Pondé:
A resposta de Pascal à questão sobre a possibilidade humana de agir corretamente é sempre a mesma: se o homem depende de si mesmo, ele falhará sempre. No plano teológico, a afirmação pelagiana de que a natureza humana se basta na busca do bem ou a semipelagiana de que uma graça suficiente deixa ao livre-arbítrio a decisão final sobre a ação significam, nos limites de nossa hipótese central, a possibilidade alguma suficiência no homem. Pascal nega qualquer espaço para uma organicidade operacional do livre arbítrio, o que implica, na realidade, uma das indicações parciais de que o que inexiste, no limite da antropologia pascaliana, é a própria ideia de natureza humana como uma entidade funcional plena. (PONDÉ, 2001, p. 53).

Dessa forma, com o projeto de desconstruir as concepções de homem como ser perfeito em termos ontológicos elaboradas pelo pensamento renascentista, Pascal estabelece que não há possibilidade estrutural de o ser humano cultuar um apego exacerbado e narcísico a si próprio, pois comprometerá a forma com a qual o ente humano encarará a realidade em si, perfazendo indivíduos em absoluta alienação no que concerne a sua natureza.

E, apesar de tudo isso, tem gente que se considera acima do bem e do mal... Vai entender...

*TEXTO PUBLICADO EM NOSSA COLUNA NO JORNAL NOSSO TEMPO - EDIÇÃO IMPRESSA.

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